Criar filhos, que desafio na vida de uma pessoa. Há algumas semanas eu venho refletindo sobre alguns processos importantes, principalmente pelo meu papel de mãe, mas também pelos desafios que a prática psi me traz no dia a dia.
Estamos habituados a falar sobre tudo o que essencialmente a gente oferece ao mundo, no que eu chamo aqui “de dentro para fora”. Porém há muito que vem de fora para que se torne algo de dentro.
Uma das coisas mais importantes que devemos nos atentar na criação dos filhos é que os modelos que eles têm, as formas como eles se sentem e comportam, por exemplo, tem origem naquilo que os circundam. As interações que temos com nossos pais, familiares, amigos, cultura, classe social, sociedade em geral, misturam-se àquilo que já trazemos em nós (temperamento, por exemplo) a fim de criar algo único.
Na parentalidade, aquilo que fazemos com nossos filhos, seja o que dizemos que eles façam, ou a maneira como agimos para com eles, influencia naquilo que será interiorizado posteriormente. Ou seja, devemos fugir do famoso “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
Em termos emocionais, a presença externa de um cuidador atencioso e respeitoso fornece, por exemplo, segurança e conforto à criança. Mas não se limita apenas a isso. Se pensarmos nos desdobramentos e possibilidades futuras, fornece principalmente a criação de um modelo interno seguro e tenha condições de buscar estas mesmas condições futuramente, na vida adulta (Bowlby, 1982).
Condições de ser um adulto capaz de dar e receber atenção, respeito, afeto. Mas também, de ser responsável com a sua própria vida, de se sentir competente para lidar com os desafios da vida de modo seguro, sem solicitar ajuda a todo momento, a não ser que seja realmente necessário. Um adulto que diz a si mesmo: “vai lá, você é capaz”.
É curioso pensar que isso não se limita apenas à formação de um modo de ser e estar no mundo, mas também de funções cognitivas como a atenção, por exemplo. Vigotsky (1989), diz que a criança primeiramente aprende com a interação com a sua mãe para depois formar as estruturas cognitivas consideradas superiores. Isto no que diz respeito ao desenvolvimento das funções cognitivas e de habilidades como a regulação da atenção, linguagem, dentre outras.
Por exemplo, quando uma mãe diz a uma criança para direcionar sua atenção para um cachorro, apontando seu dedo para tal, ela ensina a criança também como fazê-lo e ajuda a criança, também, a aprender a selecionar estímulos no ambiente e a prender sua atenção naquilo, em vez de ser só captada involuntariamente pelo seu ambiente. O mesmo irá ocorrer com regular o próprio comportamento, quando irritado ou agitado, por exemplo. Ou mesmo a ter práticas regulares de estudo. Tantos são os desdobramentos dos modelos…
O que isto quer dizer? Nós, adultos, quando cuidamos de nós mesmos, doamos nosso precioso tempo e atenção aos pequenos, estamos dando a eles também a oportunidade de crescer internamente, seja nas suas funções cognitivas, ou em suas relações afetivas e reações emocionais.
Mais do que a essência que eventualmente possamos trazer em nós, devemos também nos focar naquilo que vem de fora para que, em um futuro, a expressão possa ocorrer no sentido inverso: de dentro para fora. Primeiro fornecemos um modelo. Depois, esse modelo é representado internamente e aquela pessoa se apropria disso. Em outras palavras, torna aquilo algo dela, que habita internamente.
Sim, nós pais somos modelos para os nossos filhos. Modelos de possibilidades, mas também de desafios, já que não somos perfeitos por mais conscientes que sejamos, por mais que estudemos.
Dentro da clínica de psicologia, os psicólogos são modelos para os seus clientes e fornecem esses elementos externos para que, progressivamente, possam ser internalizados, diminuindo as experiências de dor e sofrimento.
É assustadora tamanha responsabilidade de desenvolver alguém. Eu, ao menos, acho. Mas ao mesmo tempo também é uma oportunidade de crescimento pessoal e de superação de antigos traumas. E você, que desafios gostaria de superar e não gostaria de passar adiante?
Com carinho,
Giuliana
Referências bibliográficas:
Bowlby, J. (1982). Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes.
Vigotski, L. V. (1991). A formação social da mente: a formação dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes